“Nem todos os olhos fechados dormem e nem todos os olhos abertos veem”. Esse é um provérbio indígena que diz muito usando poucas palavras. Neste artigo, vamos recorrer a uma quantidade maior de palavras, mas busquei boas fontes, como o escritor mineiro Rubem Alves (1933-2014}, psicanalista, educador e também teólogo. Dele escolhi um texto em especial, publicado no jornal Folha de São Paulo, cujo título explica minha intenção: “A complicada arte de ver”.
Guimarães, para quem tem olhos para ver, passou o mês de setembro exibindo lindas flores de jovens ipês, em algumas praças e ruas da cidade. Esses ipês não nasceram ao acaso. Eles foram plantados em 2019 e 2020, em ação educativa promovida pela prefeitura, envolvendo o secretário de Turismo e Cultura Antônio Marcos, o de Esportes José Henrique Schalcher, estudantes, professores e voluntários.
Esse plantio coletivo gerou muita alegria e satisfação entre as crianças e os moradores do entorno que acompanharam de perto. Mas, por incrível que pareça, provocou a ira de alguns pouquíssimos, como a mulher da vassoura no texto de Rubem Alves que veremos mais adiante.
"A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê " (William Blake)
O ipê é uma árvore emblemática do país recomendada para reflorestamento em praças, ruas, jardins e centros urbanos, por não ter raiz agressiva nem atingir grandes dimensões. O nome ipê origina-se da língua indígena tupi e significa casca dura. É conhecido no Nordeste como pau d'arco, porque antigamente os índios utilizavam sua madeira para fazer os arcos de caça e defesa. O plantio de árvores é uma ação que segue toda uma tendência do paisagismo global, não apenas para a contemplação da beleza das flores, mas também para oferecer sombra, amenizar o calor e preservar a biodiversidade.
Plantar árvores é, portanto, confiar na semente, no desabrochar das flores e frutos. É ter fé no amanhecer mesmo quando a luz ainda não chegou afastando a escuridão da noite.
O trabalho de um gestor assemelha-se ao que fazem agricultores, jardineiros, paisagistas e todos os que plantam, pois são atividades que exigem planejamento, ferramentas, força de combate para proteger o broto e enfrentar os opositores naturais como o clima seco ou chuvoso, ventos, poluição, animais e ervas daninhas. Um gestor enfrenta a incompreensão dos que desconhecem os processos invisíveis do dia-a-dia burocrático nas esferas municipal, estadual e federal. Quando um cidadão tem sua rua pavimentada, em geral não vê as longas negociações, as complexas licitações e a difícil captação de recursos. Tudo isso está embutido em cada bloquete, assim como a semente guarda, em si mesma, a árvore que está por vir.
Voltemos à crônica de Rubem Alves. Em certo trecho, ele cita o poeta inglês William Blake (1757-1827): “A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê"...e continua: “Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo. ”
Genialmente, ele prossegue: “Há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem. (...) O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver.”
Nas ações de plantio com a participação de estudantes, nós estamos fazendo exatamente isso, plantando sementes na terra e cultivando um novo olhar no coração de cada criança, de modo que ela seja capaz de amar as flores muito antes delas florescerem.
Comparei o plantio de árvores, o trabalho de um gestor e as flores de ipês para dizer que nada de bom e belo acontece em passe de mágica. Para que as obras atravessem os tempos e permaneçam seguras no espaço é preciso trabalho sério. É preciso compromisso e amor à terra.
Termino relembrando, novamente, o exemplo do ipê. A casca é dura, a raiz não agride e a flor é bela!
Fotos: Iago Azevedo
Prefeitura de Guimarães
Eu amo, eu cuido!